A gruta é mais extensa do que a gruta

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    segunda-feira, março 31, 2003

    Gangues de Nova York

    Cocococococoró, cocococococoró. O galo tem saudade da galinha carijó.

    Então “Gangues de Nova York” foi esnobado pela tal da academia, certo? Daniel Day-Lewis era o favorito para o Oscar de melhor ator e perdeu para a zebra Adrien Brody, de “O Pianista”. Dez indicações, nenhum prêmio. Martin Scorcese foi focalizado pelas câmeras do evento várias vezes, sempre com um certo ar de “o-que-é-que-eu-tô-fazendo-aqui?”.

    Quer saber? Eu acho legal. Scorcese não precisa do reconhecimento da academia de Hollywood. Ele já entrou para a história faz tempo. Nem acredito que se incomode por não ter papado uma batelada de estatuetas. O culto que existe em torno dele (já fizeram até música sobre seus filmes) tem mais valia.

    E só mesmo Scorcese (que faz uma figuração sem falas, como um aristocrata à mesa de jantar) poderia dirigir um filme (de três horas de duração, mas que passam rapidinho) intitulado “Gangs of New York”. É a cara dele. E o legal é que não se trata de mais um filme de máfia... opa, não mesmo?

    Senta, que lá vem a história: em meados do século XIX (1846, para ser mais exato), um grupo (ou melhor, uma matilha de gangues) que se denomina “nativistas” (os “verdadeiros americanos”, que “deram o seu sangue por esta terra”, como diz Bill "The Butcher" Cutting, a personagem de Day-Lewis, líder desta facção) trava uma guerra contra os imigrantes irlandeses, liderados por Liam Neeson, um religioso. A tal guerra é no melhor estilo tribal (remete, de certa forma, a “Coração Valente”) e possui uma espécie de “código de honra”: a batalha é discutida com antecedência entre ambas as partes, as armas são escolhidas, horário e local são marcados, e a luta pára assim que o líder de um dos lados cair.

    Bem, não vou estragar a história (até porque a maioria já deve ter visto o filme) se eu disser que o grupo do Pastor Vallon perde a batalha, porque é aí que se delineia a saga de Amsterdam Vallon, o personagem de Leonardo Di Caprio, que dedicará sua vida a vingar a morte de seu pai. Neste ínterim (durante o governo Lincoln, época da Guerra de Secessão, início da década de 60), ele acaba trabalhando para o próprio Bill The Butcher, caindo em suas graças _o que é bastante interessante parta a história, pois tira um pouco do caráter “heróico” da personagem. E, para apimentar um pouco mais o “plot”, Amsterdam se envolve com Jenny Everdeane (Cameron Diaz, não muito glamourosa), punguista, puta e ex-amante de do açougueiro.

    Apesar de ser uma puta história (com os tradicionais mocinho/mocinha/bandido _sim, Scorcese não foge muito do padrão), o que interessa mesmo em “Gangues de Nova York” é o seu pano de fundo, que lhe dá o caráter de “épico de formação de um povo” (“A América nasceu nas ruas”, diz uma das frases de promoção do filme), uma tradição do cinema norte-americano, iniciado por D. W. Griffith e seu “Nascimento de uma Nação”, de 1915. E o mais legal do filme (à parte a esplendorosa atuação de Day-Lewis _outro destaque é Brendan Gleeson, ex-professor que se tornou ator há menos de 15 anos, tendo participado de “Braveheart” e de filmes de Jim Sheridan, John Boorman, Danny Boyle, John Woo e Steven Spielberg, entre outros, aqui no papel de Monk) é seu contexto político, mostrando o dilema da conscrição (alistamento militar obrigatório para quem não pudesse pagar a monstruosa, para a época, quantia de US$ 300) e, mais do que isso, como a guerra pelo domínio das Cinco Pontas é ridícula perto da guerra que está rachando o país. Ah, falando em guerra...

    Nota: 8/10

    P.S. Achei absolutamente do caráleo o Eminem ter levado o Oscar de melhor canção _e chutado os traseiros gordos do U2, que concorria com a chatinha “The Hands that Built America”, tema deste filme. E o cara ainda não foi à cerimônia, hahaha...

    terça-feira, março 25, 2003

    Adaptação

    Você sabe o que é ter um amor, meu senhor? Ter loucura por uma mulher?

    Então vamos deixar de frescura, pois o tempo urge, e falar logo de “Adaptação”, segundo longa-metragem de Spike Jonze, cineasta revelado por seus videoclipes (entre eles o sensacional “Sabotage”, dos Beastie Boys _que, ao ser preterido num VMA por “Everybody Hurts”, do REM, gerou um protesto engraçadíssimo de MCA, que subiu ao palco disfarçado de Nathaniel Hornblower e deixou Michael Stipe embasbacado. Lembra?).

    Bom, “Adaptação” dá de mil a zero em “Quero Ser John Malkovich” _filme que tem pressupostos excelentes (como o da marionete humana e da experiência de ser outra pessoa, mas não apenas isso), mas que, talvez por querer expressar idéias demais, acaba se perdendo. “Adaptação” também dá uma caída no final, mas nem é por acaso _a ironia de Jonze e do roteirista Charlie Kaufman não deixa ponto sem nó.

    O protagonista do filme é justamente seu roteirista, Charlie Kaufman _o mesmo de “Being John Malkovich”. No início, vemos Nicolas Cage (sobrinho de F. F. Coppola), no papel de Kaufman, no set do filme anterior de Jonze (genro de F. F. Coppola), o que já é um barato. Ou seja, Cage interpreta um personagem real, que tem um trabalho real: adaptar um livro real (“The Orchid Thief”), escrito por uma jornalista real (Susan Orlean, aqui interpretada pela Meryl Streep), sobre um outro personagem real, John Laroche (papel que deu, merecidamente, o Oscar de coadjuvante para Chris Cooper _para quem não reconheceu, é o vizinho-nazista-bicha-pai-do-maconheiro-esquisito de “Beleza Americana”).

    Para complicar tudo (e deixar tudo muito mais interessante), Kaufman inventou Donald, um irmão gêmeo fictício (que é tornado “real” ao assinar _e ser indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado, perdido para “O Pianista”_ também o roteiro do filme “Adaptation”). Donald é a peça chave da crítica à indústria cinematográfica, que abusa de clichês para uma identificação rápida e indolor com o espectador, em vez de desafiá-lo com a sensação instigante (aqui a palavra é pertinente) de estranhamento que ambos os filmes de Jonze/Kaufman provocam. Isso já bastaria para eles terem o nosso respeito.

    Mas há mais. A história do ladrão de orquídeas também é fascinante. Laroche, uma figuraça, une-se a alguns índios seminole para coletar orquídeas raras (e valiosas) de um pântano na Flórida _porque os índios podem explorar o pântano sem serem incomodados pela lei. Adiciona-se a isso a história de Susan Orlean e de seu envolvimento com o vigarista banguela e carismático. E também o drama de Charlie Kaufman, neurótico ao extremo, tendo de adaptar o livro, cada vez mais enfurnado em um beco sem saída. E a desenvoltura de Donald Kaufman, que, admirador do irmão, resolve bancar o roteirista, o que proporciona os momentos mais engraçados do filme. Ah, mas há mais... Agora é com você.

    Nota: 8,5/10

    P. S. Ia dedicar um texto ao belga “Rosetta”, dos irmãos Dardenne, que ganhou a Palma de Ouro em 1999 (assim como o prêmio de melhor atriz para Emilie Dequenne, que interpreta o papel título), mas, como o filme me decepcionou, vai apenas este P. S. Realizado sob os ditames do dinamarquês Dogma 95 (idéia interessante, faltaram bons filmes), mostra uma das personagens femininas mais desgraçadas da história do cinema, talvez comparável apenas à Macabéa que Marcélia Cartaxo encarnou na adaptação de Suzana Amaral para “A Hora da Estrela”, derradeiro romance de Clarice Lispector (dizem que “Mouchette”, de Robert Bresson, segue a mesma linha _aproveitem a mostra gratuita no Centro Cultural São Paulo para tirarem a prova). O início é bastante cansativo, depois a história engrena e ganha qualidade. Ainda assim, achei pouco para uma Palma de Ouro... De qualquer forma, fico devendo uma análise mais detalhada. Se alguém viu e quiser discutir...

    terça-feira, março 18, 2003

    Rocky – Um Lutador / Rocky II – A Revanche

    Eu te darei o céu, meu bem. E o meu amor, também.

    Falando em amor, o boxe é uma coisa linda, né? Meio sem querer, acabei vendo a luta do Popó (por que será que o simpático Acelino Freitas tem esse apelido? Homenagem ao idoso personagem do Chico Anysio?), no sábado passado, e é aquela coisa sublime: dois homens (de origem humilde, claro) se espancando até um deles não mais se agüentar em pé... Tá, pelo menos é melhor do que futebol, porque dura menos.

    Ah, mas tem mais: o boxe rendeu obras-primas do cinema, hooray! “Touro Indomável” é, talvez, a maior de todas, mas também temos o maravilhoso “Punhos de Campeão”, do grande Robert Wise, “Requiem for a Heavyweight”, de Ralph Nelson (que traz não apenas o Anthony Quinn no papel principal, com direito a orelhinha de couve-flor e tudo, mas também o Cassius Clay, que mais tarde se chamaria Muhammad Ali e seria vivido no cinema pelo rapper de meia tigela Will Smith), o chorosíssimo “O Campeão” (quem nunca o viu numa “Sessão da Tarde”?), enfim, quaquilhões deles. Mas por que será que o boxe é um esporte tão cinematográfico? Talvez pela síntese dramática da coisa toda? Ou por mostrar homens musculosos sem camisa? Eeeeeca!

    Bom, deixemos as elucubrações para os comentários (a parte deste site que realmente importa) e vamos partir logo para o caso de Rocky Balboa, o Garanhão Italiano (é mais legal em inglês, “The Italian Stallion”), o Pata do Sul (ou seja, canhoto), o Olho do Tigre, o Cunhado do Paulie, enfim, o personagem boxeador que mais angariou bilheteria para o cinema e que fez a fama e a fortuna do canastríssimo Sylvester Stallone.

    Antes de mais nada, façamos justiça ao velho Sly: mesmo que tenha figurado em uma série de filmes ridículos, o cara merece um tiquinho do nosso respeito por ter criado “Rocky”. Sim, o homem que encarnou o Rambo (atenção: o primeiro da série, “First Blood”, é muito legal; os outros dois, um no Vietnã e outro no Afeganistão _onde o Taleban é ajudado a se livrar dos russos, veja só a ironia_, lixo), o Cobra, o Falcão e o Tango (ou seria o Cash?) não apenas protagonizou (brilhantemente) o filme, mas escreveu o roteiro e coreografou as cenas de luta. Aliás, o filme é bem um projeto familiar: seu irmão, Frank, compôs algumas das músicas da trilha e fez uma ponta, como um dos cantores de rua; o pai de Stallone também participa da produção; e até o cachorro, Butkus, era um Stallone...

    O primeiro da série, lançado em 1976 é, sem exagero, um filmaço. Muita gente torce o nariz para o filme por ele ter batido o também clássico “Taxi Driver” (também de Scorcese. Aliás, será que este foi um dos motivos de ele ter feito “Raging Bull”?) no Oscar, mas isso não passa de, sejamos francos, uma tremenda babaquice. Os EUA estavam comemorando o bicentenário de sua independência em 1976, e é lógico que os membros da comunidade de Hollywood não premiariam um filme que mostra o lado mais podre e decadente da sociedade norte-americana. Eles escolheram uma história que traduz o tal do “american dream”, a idéia da “land of opportunity”: um boxeador obscuro do subúrbio da Filadélfia tem a oportunidade de enfrentar o campeão dos pesos pesados e se tornar rico e famoso.

    E o grande lance do filme é justamente se concentrar no lado humano de seus personagens. Ao contrário da maioria dos “blockbusters” que o Stallone estrelou, “Rocky” traz uma série de personagens fantásticos, com profundidade psicológica. A começar pelo próprio Balboa, um trintão fracassado que, no início do filme, ganha míseros US$ 40 após ser esbagaçado por um colega. Quando não está lutando, está trabalhando como cobrador para o agiota Gazzo (isso me lembrou o excelente filme “Fingers”, de James Toback, com Harvey Keitel, assistam), paquerando a tímida garota da loja de animais (Adrian, que tem de agüentar Paulie, o irmão chave-de-cadeia) e cuidando de seus bichos de estimação. Para completar, ainda temos Mickey (Burgess Meredith, o Pingüim do antológico seriado humorístico/psicodélico “Batman” _aquele com Adam West e Burt Ward), o treinador com quem Rocky tem uma relação de amor/ódio, e Apollo, o Doutrinador _que é “poser”, mas não exatamente um vilão.

    Aí está outro indicador da grandeza do filme: não há antagonismo bobo (assim como não há ênfase na violência das lutas _“Touro Indomável” é muito mais sensacionalista neste sentido. Por sinal, a luta final entre Rocky e Apollo é surpreendentemente curta). Não há grandes heróis ou vilões. Rocky, por exemplo, não é nada glamouroso: não é inteligente ou charmoso, tampouco é um exemplo de retidão de caráter (afinal, trabalha para um mafioso). Mesmo assim, demonstra ter alguma sensibilidade ao aconselhar a jovem Marie, de apenas 12 anos, a não ser o que ele chama de “vadia”; a menina, surpreendentemente (ou não), manda ele “ir se ferrar”.

    Somem a tudo isto uma trilha sonora inesquecível (“gonna try haaaaard”) e uma direção (de John G. Avildsen, que dirigiria também o horrendo “Rocky V” e a irregular trilogia “The Karate Kid” _aquela do seu Miyagi) simples e segura, sem malabarismos cretinos de câmera. Trata-se de um filme clássico no bom sentido, sem vulgaridades e sem “cabecices”. Em uma palavra: emocionante.

    Sua continuação, dirigida pelo próprio Sly e lançada em 1979, é pior do que o original porque descamba para o dramalhão (com a abacaxesca história da Adrian entrando em coma e tal, argh) e porque o personagem perde muito em psicologia, já que ele não mais precisa ser “apresentado” ao espectador, justamente o que faz muito da graça de “Rocky – Um Lutador”.

    E há certas redundâncias, certos “déjà vus” que tornam o filme mais descartável: Rocky começa mal, mas depois vai treinando com afinco, até ficar em forma (depois de ser muito provocado pelo fanfarrão Apollo, mas sem revidar, sempre com humildade). E aparece, de novo, a cena dele subindo as escadas em direção ao principal museu da cidade, com a mesma trilha, só que, agora, seguido por um montão de crianças gritando “Rocky” (no primeiro ele estava sozinho). E, depois de passar o primeiro filme espancando carcaças de bois num frigorífico, o novo treinamento esdrúxulo do Rocko é perseguir galinhas. E, mais uma vez, finda a última luta, volta a cena que havia emocionado tanta gente no primeiro filme, mas que, ao ser repetida no segundo, virou clichê e motivo de chacota: Adrian falando “eu te amo!”, e Rocky com cara toda arrebentada. E, além de toda a apelação com a história do coma da Adrian, há também uma presença excessiva de igrejas, padres e rezas, ou seja, Stallone deu uma boa forçada de mão. Ufa, chega de frases começadas com “E”...

    Ah, uma última curiosidade: em mais de uma cena, Stallone usa uma faixa vermelha na cabeça, acessório que ficaria muito mais ligado a Rambo...

    Rocky - Um Lutador: 9/10
    Rocky II - A Revanche: 7/10

    P. S. “Mas que mundo é este, onde um adolescente moribundo não pode ganhar um boquete de uma celebridade?”

    P. P. S. Falando em putaria, mais uma listinha...

    quarta-feira, março 12, 2003

    Femme Fatale / Um Tiro na Noite

    "I’m a bad girl, Nicolas. Real bad. Rotten to the core."

    Fala sério. Não dá vontade de casar na hora? The things she does to pleeeeeease...

    É, Brian de Palma. Voyeurismo, violência e loiras. O cara tem estilo e sabe disso. Sabe colocar sua assinatura num filme. Bastam poucos minutos, e você sabe que está assistindo a um De Palma. Sabe que é sub-Hitchcock, ou seja, não dá para ser totalmente ruim.

    “Femme Fatale” é um De Palma típico. Desde o início, as marcas do veterano diretor estão ali: a tela dividida verticalmente em duas, a narrativa cinematográfica exemplar, a trilha sonora onipresente, ação. Do começo ao fim, o filme não pára.

    O enredo: durante uma operação para roubar um sutiã de diamantes que vale 10 milhões de doletas, a mulher fatal do título sacaneia os “amigos” e foge com o butim. Coincidências mil farão com que ela se envolva com o embaixador dos EUA na França (Peter Coyote, um cara massa, aqui subaproveitado) e um paparazzo (Antonio Banderas, marido de uma ex-loira de De Palma, encarnando o voyeur por excelência _não parece um pouco o ator claustrofóbico de “Dublê de Corpo”?).

    Junte a isso duas mulheres extremamente parecidas (praticamente gêmeas _opa, alguém aí lembrou de “Irmãs Diabólicas”?), sonhos (tema mais a ver com Lynch do que com De Palma) e um roteiro bem encadeado, apesar de inverossímil (meu irmão Danilo achou o final uma merda), e temos um filme não exatamente brilhante, mas extremamente hábil. É pouco para De Palma, mas está de bom tamanho, considerando a média hollywoodiana. Ah, e tem a Rebecca Romijn-Stamos... o que é aquilo?

    Mas um De Palma muito melhor é “Um Tiro na Noite” (“Blow Out”, 1981), o último grande filme que John Travolta estrelou antes de embarcar no ostracismo que durou até “Pulp Fiction”. E o filme é bom justamente porque é Hichcock esculpido em Carrara: quanto mais De Palma se aproxima do mestre, melhor.

    O filme já começa evocando “Psicose”, com uma cena de assassinato num chuveiro. Mas “Blow Out” faz referência mesmo a “Janela Indiscreta”: basta trocar a profissão do protagonista, um fotógrafo, pela de sonoplasta. Sai a visão, entra a audição _ou seja, em vez de um voyeur, trata-se de um écouter.

    O trabalho de Travolta é sonorizar filmes. Em uma bela noite de primavera, ele vai a um parque gravar alguns sons e... dããã, adivinha o que acontece? Ele acaba gravando um assassinato _justamente o do governador do Estado, que seria o provável novo presidente dos EUA. Depois de salvar a mocinha (Nancy Allen, ex-mulher do diretor, que também trabalhou em “Carrie” e em “Vestida para Matar” entre outros _e que, após se divorciar, só arranjou papel decente na série "Robocop"), que estava no mesmo carro que a vítima, o danado vai investigar a história, e aí...

    O filme transpira a perícia narrativa de De Palma, que abusa das internas em estúdio, da iluminação artificial e da fusão de imagens, deixando tudo em foco, criando planos maravilhosos. Travolta e Allen estão ótimos, e ainda temos John Lithgow (a estrela do fraco “Síndrome de Caim”), que, quando não faz papel cômico, é um psicopata.

    Novamente, há certas inverosimilhanças, mas o que seria do cinema sem elas? Até parece que a vida faz algum sentido...

    Femme Fatale: 7,5/10
    Um Tiro na Noite: 8,5/10

    P. S. Já que falamos em De Palma, quero aproveitar para indicar não um filme, mas uma trilha sonora: a de “Carrie”, de 1976. Composta por Pino Donaggio (o mesmo de “Um Tiro na Noite” e outros _também trabalhou com Joe Dante, que fez "Piranha" e "Gremlins"), traz, além do maravilhoso “score” instrumental, duas canções incríveis (belamente entoadas pela desconhecida Katie Irving) que retratam o tema principal da obra: o terror que é ser uma adolescente “esquisita” num mundo onde o que importam são os malditos preconceitos. Mas não é só isso... Abaixo, as letras, dignas da melancolia de um Morrisey, que dão o recado melhor do que eu.

    I Never Dreamed Someone Like You Could Love Someone Like Me

    Could it be that the lady is me in the photograph?
    I'm afraid 'cause it feels too good and I want it too bad
    It's just not true, couldn't ask for anymore than you, because you look at me
    As though I'm beautiful, could it be that you want me?
    I never dreamed someone like you could want someone like me

    I'm not sure, but the more that it's real, the more it's right
    Ooh, what a night, it's as though we've been lovers all of our lives
    There must be God! Could it be that He's heard me at last? Because you look at me
    As though I'm beautiful, could it be that lady is me?
    I never dreamed someone like you could want someone like me

    All the pain and the pleasure's the same, it goes so fast
    I'm the girl with the strawberry halo in the photograph
    So, come on, let's dance, let me have it while I have a chance
    ‘Cause there's another world where there are other girls, but tonight there's only me
    I never dreamed someone like you could love someone like me

    Born to Have It All

    Young girls, some are born to dance, born to take a chance
    Others sleep at home and they dance alone, no one even knows

    But you, you were born to touch, born to want too much
    Let the bodies fall, you were born to have it all, born to have it all

    And if you could cry, it would only be for more
    Born to be the girl in the mirror, and the others want to be her
    If a girl could wish, it would only be to be a girl like this
    Oh, but she has it all, and, for all they know, that is all there is

    Young girls, some are born to dance, born to take a chance
    Others sleep at home and they sleep alone... No one even knows

    quinta-feira, março 06, 2003

    O Chamado

    "Beijo na boca é coisa do passado. A onda, agora, é namorar pelado." Esta foi uma pequena amostra das sublimes e edificantes cançonetas que aprendi durante o Carnaval que passou.

    Falando nisso, o terror é interessantíssimo. Claro que não estou falando do Osama bin Laden, e sim do terror como forma de entretenimento. Quem nunca ouviu uma história de horror contada por aquele tio caipira que se encontrou com um fantasma numa noite escura e tal?

    Mas o terror no cinema é um caso especial. Mesmo a literatura ou a música ou as histórias em quadrinhos que pretendem ser assustadoras não são capazes de causar a tensão que um filme de terror proporciona. É algo desagradável e fascinante, ao mesmo tempo. Não é à toa que, quando a gente é criança, ficamos hipnotizados por esses filmes, mesmo sabendo que teremos pesadelos à noite...

    Entretanto (sim, eu disse “entretanto”), assim como o gênero gerou obras-primas (e o “Nosferatu” de Murnau talvez seja o exemplo máximo), muita porcaria tem sido feita, especialmente em Hollywood, que sacou há um bom tempo que o terror adolescente carrega uma porção de idiotas para as salas de cinema.

    É por isso que eu não ia assistir a “O Chamado”. Aconteceu que eu estava voltando de uma entrevista de emprego lá na PQP e perdi a hora para ver “Deus É Brasileiro” (que comentaremos em breve). E como já haviam me dito coisas boas sobre o filme...

    Pra começo de conversa: “The Ring” é uma refilmagem de uma produção japonesa de 1998, chamada "Ringu"... e é também homônimo de um dos primeiros filmes de Hitchcock (na verdade, o sexto), lançado em 1927, quando o diretor britânico, obviamente, ainda dirigia filmes mudos _por sinal, interessantíssimos, procurem nas locadoras. Depois, tem a tal da Naomi Watts, que já entrou para a história por ser a loira do maravilhoso “Cidade dos Sonhos” (o título escroto que deram para “Mulholland Dr.”). Mas o que realmente interessa: até que o filme é legalzinho.

    “O Chamado” não tem nada de “terrir”, como escreveu um crítico da Bolha. Também não tem o apelo adolescente da série “Pânico” ou de “Eu Sei o Que Vocês Fizeram...”. Mas é claro que ele traz alguns clichês, como mostrar uma morte logo de início, preparando o espectador para a ameaça iminente, além de trazer uma (ou mais de uma) criança sinistra em um dos papéis principais (e é lógico que a protagonista estará na mira da ameaça e será ajudada por uma espécie de “sidekick” _no caso, o ex-marido).

    A história é a seguinte: existe uma fita de vídeo (sim, ainda o velho VHS de “Videodrome”). Quem assiste à bagaça, que traz umas imagens aparentemente desconexas, morre após exatamente sete dias. É uma bela premissa.

    Mas o legal mesmo em “O Chamado” é que se trata de uma história que só o cinema pode contar. E o filme, repleto de imagens muito bem cuidadas, carrega uma ironia muito boa: teoricamente, você também deveria morrer, sete dias após tê-lo visto. É a única parte que não se fecha...

    Em suma: nada mal para um cara que antes havia feito “O Ratinho Encrenqueiro” e “A Mexicana” (notaram o padrão?)... Só que eu ainda prefiro “O Bebê de Rosemary”.

    Nota: 7/10

    P. P. S. Celly Campelo, o “broto legal”, foi de uma importância extraordinária para o pop brasileiro. Batam os sapatinhos por ela.

    Na platéia