A gruta é mais extensa do que a gruta

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    sábado, novembro 30, 2002

    Fale com Ela

    Almodóvar mudou muito. Assim como a Espanha.

    Quando lembro de “Matador”, “A Lei do Desejo”, “Ata-me”, “De Salto Alto”, “Kika” etc., estão ali, de maneira bastante explícita, o “underground”, as drogas, o sexo, o crime, em uma Espanha ultracatólica (e, portanto, homofóbica, machista e intolerante em diversos aspectos _o divórcio, como no Brasil, era ilegal, por exemplo) que, após passar por quase quarenta anos de ditadura, encabeçada pelo “generalíssimo” Franco, lentamente foi encontrando espaço para respirar. E Almodóvar respirou fundo.

    Com “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”, as coisas começaram a mudar. O diretor mergulha um pouco mais fundo no melodrama, mas ainda há ali uma certa histeria, que provavelmente afastou um público avesso à provocação.

    Tema semelhante aparece em “A Flor do Meu Segredo” (o filme dele que menos gosto), ao mesmo tempo em que “Carne Trêmula” retrocede um pouco ao Almodóvar mais, digamos, “mundo cão”.

    Mundo cão que aparece também em “Tudo Sobre Minha Mãe”, ainda o meu preferido. Mas ali, o submundo do homossexualismo, representado em grande parte pelo travesti Agrado (grande interpretação de Antonia San Juan), perde bastante espaço para o melodrama, para a novelona mexicana que permeia todo o enredo. Almodóvar, talentoso como poucos, consegue manter o equilíbrio e passa uma absurda verossimilhança à história.

    “Fale com Ela” (seu 14º filme), apesar de menos impressionante, dá alguns passos adiante. Não vemos, explicitamente, o mundo das drogas, das ditas “perversões” sexuais, da violência (a não ser da violência contra os touros) etc. O “submundo”, desta vez, é ainda mais profundo, aterrador e misterioso: é o coma. E quem entra em coma são as mulheres, tradicionais protagonistas dos filmes do espanhol _não por acaso, são elas que aparecem no pôster do filme.

    O enredo: Benigno (Javier Cámara), um rapaz tímido que vive a cuidar da mãe doente, encanta-se por Alicia (Leonor Watling), uma menina que faz aulas de dança em frente à sua casa. Quando ela entra em coma, ele se apresenta como enfermeiro, e passa a cuidar dela com dedicação ímpar. Marco (Darío Grandinetti) é um escritor/jornalista que se envolve com Lydia (Rosario Flores _existe nome mais espanhol do que este?), uma famosa toureira (uma estocada no machismo), que também entra em coma após levar uma chifrada (de um touro, não do Marco). Alguém aí lembrou dos Silvas?

    Bom, as personagens femininas principais do filme estão paralisadas e em silêncio. Isso fez muita gente afirmar que Almodóvar desta vez resolveu focalizar mais o universo masculino, mas não sei se posso concordar com isso. Mesmo que os homens assumam quase toda a ação na obra, é justamente em função das mulheres que a história se desenrola. “O cérebro das mulheres é um mistério. Ainda mais neste estado”, diz Benigno a Marco, tentando fazer com que o seu novo amigo tenha uma relação melhor com sua namorada enferma.

    Ainda falando nas atrizes do filme, vale a pena ressaltar a participação especial de Geraldine Chaplin (a filha do homem) e de Elena Anaya (Ángela, primeira paixão de Marco) e Paz Vega (a “mulher gigante” do curta em preto-e-branco que surge no meio da obra), que encheram os nossos olhos em “Lucía e o Sexo”.

    Mas “Hable con Ella” é também um filme sobre a música _e, especialmente, a dança. Começa com uma coreografia de Pina Bausch, passa pelas lições de dança de Alicia, pelos passos de Lydia na arena de touros e pelo ritual de Benigno ao banhar Alicia. E além.

    A música, como já se falou muito, é também brasileira: em uma das cenas mais belas da obra, Lydia toureia ao som de Elis Regina interpretando Tom Jobim (que é citado por Marco em outra cena). Em outra, bem mais forçada, em tom de homenagem, de carinho mesmo, Caetano Veloso reinterpreta a tristonha “Cucurrucucú Paloma”.

    Enfim, se Almodóvar está mais “maduro” ou “contido”, é ainda cedo para afirmar. Mas o homem, além de filmar bem para cassete e de escrever romances fantásticos (não distorçam minhas palavras), consegue, fora de Hollywood (Oscar? E ele lá precisa disso?), lotar uma sala de cinema do bananal às 18h de uma quarta-feira...

    Nota: 9/10

    domingo, novembro 24, 2002

    48 Horas

    Há algumas semanas tive o prazer de conhecer o Museu do Cinema do sr. Antonio Vituzzo, dono de um acervo incrível de aparelhos cinematográficos. E, entre eles, uma pequena preciosidade: uma câmera que pertenceu ao diretor carioca Alberto Cavalcanti (1897-1982).

    E eis que, pouco tempo depois, o nome de Cavalcanti reaparece, ao ganhar uma retrospectiva na 26ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo _incluindo filmes feitos no Brasil, nos estúdios da Vera Cruz (eita, São Bernardo do Campo), como “Simão, o Caolho” (1952).

    Só que... a maioria de vocês provavelmente nunca tinha ouvido falar em Alberto Cavalcanti, certo?

    Infelizmente, não é de estranhar. Um dos cineastas brasileiros com mais prestígio no exterior _há quem diga que ele é mais conhecido do que Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos ou Anselmo Duarte... experimente fazer uma pesquisinha no Google ou similares, para tirar a prova_, em especial na Europa (mais particularmente no Reino Unido e na França, onde trabalhou por muitos anos), Cavalcanti é pouco lembrado por aqui. É uma pena. E uma injustiça.

    Mas vamos deixar de choradeira e falar desta belezura que é “Went the Day Well?”, batizado nos EUA de “48 Hours” (não, não é aquele com Eddie Murphy e Nick Nolte), de onde saiu o título nacional. Para começo de conversa: o filme foi feito na Inglaterra. Em 1942.

    Bom, estamos mais do que calvos de saber que aquela simpatia do Adolfinho Hitler e seu garboso amiguinho Benito Mussolininho estavam delicadamente tocando o terror por lá na época. E que o senhorito Winston Churchillzinho veio com aquele papo de sangue, suor e lágrimas e blablablá (como estamos em guerra novamente, sempre é bom lembrarmos de como a sociedade se comporta nesse caso _e sobre como os governantes, sejam “do mal” ou “do bem”, como se isso existisse, a manipulam).

    Bueno, então é óbvio que “48 Horas” é um filme do esforço de guerra inglês, ou seja, propaganda. E que foi feito numa época de precariedade de recursos. E etc., porque eu nem precisava dar este contexto todo, já que nosso crânio comporta numerosas células que dão conta do recado.

    Enfim: o filme conta a história de um vilarejo chamado Bramley. Em 1942, um pequeno exército alemão infiltra-se na cidade, disfarçado de britânico (é um tanto estranho que alemães consigam se passar tão bem por ingleses, mas façamos vista grossa, porque a situação da época era mais grossa ainda). Eventualmente, acabam sendo descobertos, e aí começa o “caflito”, como dizia o velho Didi Mocó Sonrisel Colesterol Novalgino Mufungo.

    O enredo nem interessa tanto, serve mais para dar um exemplo de coragem em tempos de adversidade... e filmes mais definitivos sobre a Segunda Guerra foram e têm sido feitos (de “O Grande Ditador” à série “Band of Brothers"). Interessante mesmo é observar o talento narrativo de nosso conterrâneo... Basicamente, o cara sabia filmar. Agora, só falta você assistir.

    Nota: 8,5/10

    terça-feira, novembro 19, 2002

    Madame Satã

    Para quem mora em São Paulo, Madame Satã é o nome de uma casa noturna que foi badalada nos anos 80 e que foi reinaugurada há algum tempo... Mas para quem mora no bairro carioca da Lapa, Madame Satã era “um viado bravo, que batia até em polícia e que ficou preso na Ilha Grande” (segundo um dos transeuntes do bairro, entrevistados pela produção do “making of” do recém-lançado longa de Karim Aïnouz)...

    O personagem já havia sido retratado (de maneira enviesada) em “Rainha Diaba” (1974), de Antonio Carlos Fontoura, com Milton Golçalves e Stepan Nercessian _embora o diretor deste tenha dito que não havia se inspirado em João Francisco dos Santos, o Satã (ainda vivo na época), a associação parece evidente.

    Assisti ao longa de estréia de Aïnouz (arquiteto que viveu um bom tempo em Nova York) no dia 1º de novembro, pouco depois de ele ser exibido na “Mostra”, mas ainda antes de sua estréia comercial propriamente dita. Após o filme, o diretor contou que demorou sete anos para realizar o projeto... Da idéia até a finalização do longa, ele angariou prêmios, investidores internacionais e contou com uma forcinha de Walter Salles (Aïnouz é um dos roteiristas de “Abril Despedaçado”).

    Tratar de uma figura tão mítica quanto o Satã não é fácil. Aïnouz declarou que mudou bastante o roteiro no decorrer do projeto, e o protagonista, o jovem baiano Lázaro Ramos, declarou que desistiu de tentar compreender o personagem... A solução foi elaborar uma pequena biografia abordando o período em que João Francisco dos Santos busca seu sonho de ser uma estrela de cabaré, mas acaba sofrendo os preconceitos mil de praxe (por ser preto, pobre e bicha) e vai parar no xilindró. Ou seja, os supostos acontecimentos que levaram João Francisco a se tornar Madame Satã _por sinal, título vindo de um musical de 1930, dirigido por Cecil B. DeMille...

    Totalmente filmado em locações, “Madame Satã” espia por trás da cortina a boemia da Lapa carioca dos anos 30. As músicas da época (em especial a clássica “Se Você Jurar”, de 1931, composta por Francisco Alves, Ismael Silva e Nilton Bastos, e interpretada por Mário Reis _personagem enfocado por Júlio Bressane no bom “O Mandarim”), as roupas, a malandragem, a capoeira Angola (as cenas de luta são muito bem feitas)... um pouco de tudo está lá. Assim como o homoerotismo masculino, que, a certo ponto, causou frisson na platéia, devido à sucessão de cenas de pegação...

    A fotografia do badalado Walter Carvalho é bem contrastada, e os planos são bastante fechados, concentrando-se nos corpos dos personagens. Mas, apesar do apuro visual, o grande trunfo do filme é a interpretação brilhante de Lázaro Ramos, bem apoiado por coadjuvantes de respeito, como Marcélia Cartaxo, Renata Sorrah, o subestimado Emiliano Queiroz e o destaque Flávio Bauraqui, como Tabu.

    Taí, mais um exemplo do novo cinema brasileiro: barato, eficiente, um tanto incômodo... Só falta vender bastante ingresso.

    Nota: 8/10

    P.S. Leiam. E que se instale a polêmica.

    quarta-feira, novembro 13, 2002

    A Teia de Chocolate

    Iurrú.

    A edição número dois de “Hellblazer” já está disponível nas melhores bancas e lojas especializadas do país (e também aqui). Quem já conhece o velho John Constantine sabe que a coisa é boa.

    Falando em coisa boa, “A Teia de Chocolate” é um belo de um belo filme. A teatral Vanessa não gostou e ficou com sono _talvez por se tratar de um thriller que não eleva a tensão a picos, que não tenta nos manipular pela emoção. É um filme frio, narrado à moda antiga, com sobriedade.

    O diretor, Claude Chabrol, é veteraníssimo. Um dos principais representantes da “nouvelle vague” (Truffaut, Godard, Rohmer, “Cahiers du Cinéma”, blablablá), com mais de quarenta filmes no currículo, já foi chamado, não sem certa razão, de “o Hitchcock francês”.

    Adaptado de um romance, “Merci pour le Chocolat” enfoca a família de André, um famoso pianista (chegado em soníferos _rohypnol, a “droga do estupro”_ e, aparentemente, num Grecin 2000), casado com uma executiva de uma fábrica de chocolates, Mika (a ótima Isabelle Huppert, que protagonizou a versão de Chabrol para “Madame Bovary” e que apareceu embagulhada em “8 Femmes”). Mika era a melhor amiga da primeira mulher de André, Lisbeth (mãe de Guillaume), que morreu em um acidente de carro _após “dormir” no volante.

    Paralelamente, somos postos em contato com a história de Jeanne (a bela Anna Mouglalis), uma jovem estudante de piano que descobre um curioso fato: ao nascer, teria sido trocada por Guillaume no hospital. A troca teria sido desfeita após a confusão.

    Encasquetada com a revelação, Jeanne faz uma visita a André, e a empatia entre os dois é evidente. Ele a convida para estudar com ela, o que provoca ciúmes em Guillaume... e em Mika.

    A partir daí, o clima da obra evoca o suspense de “O Bebê de Rosemary”, por exemplo. A verdade vai sendo descascada aos poucos, no ritmo lento e preciso do filme, embalado por uma trilha sonora deliciosa _não por acaso, trata-se do “Funeral”, de Liszt...

    Nota: 8,5/10

    P. S. Falando em "Cahiers du Cinéma", este site mostra as listas dos dez melhores filmes do ano segundo a famosa publicação. Começa em 1951 (ano em que André Bazin co-fundou a revista) e vai até 2001, ano em que o vencedor foi "Mullholland Dr." _mas há janelas, pois em alguns anos a lista não foi montada... Para quem tiver preguiça de clicar no link, aqui vão algumas observações a respeito das listas:

    _Não há nenhum filme brasileiro (era de se esperar?)
    _Em 1951, “A Malvada” (Mankiewicz) bateu “Crepúsculo dos Deuses” (Wilder)
    _Em 1955, “Viagem à Itália” (Rosselini) bateu “Janela Indiscreta” (Hitchcock), que, por sua vez, bateu “A Estrada da Vida” (Fellini)
    _Em 1957, “Um Rei em Nova York” (Chaplin) bateu “Noites de Cabíria” (Fellini) e “O Homem Errado” (Hitchcock)
    _Em 1958, “A Marca da Maldade” (Welles) bateu “O Sétimo Selo” (Bergman) e “Meu Tio” (Tati)
    _Em 1959, “Hiroshima Meu Amor” (Resnais) bateu “Rio Bravo” (Hawks), “Morangos Silvestres” (Bergman) e “Um Corpo Que Cai” (Hitchcock)
    _Em 1960, “Psicose” (Hitchcock) ficou em nono
    _Em 1963, “O Professor Aloprado” (Lewis) bateu “8 1/2” (Fellini), mas perdeu para “O Anjo Exterminador” (Buñuel), que perdeu para “Os Pássaros” (Hitchcock)
    _Em 1967, “Persona – Quando Duas Mulheres Pecam” (Bergman) bateu “A Bela da Tarde” (Buñuel)
    _Em 1981, “Touro Indomável” (Scorcese) ficou em oitavo
    _Em 1984, “E La Nave Va” (Fellini) bateu “Paris, Texas” (Wenders), que bateu “Era uma Vez na América” (Leone)
    _Em 1985, “O Ano do Dragão” (Cimino) bateu “Ran” (Kurosawa)
    _Em 1988, “Bird” (Eastwood) bateu “A Última Tentação de Cristo” (Scorcese)
    _Em 1989, “Faça a Coisa Certa” (Spike Lee) ganhou de todo mundo
    _Em 1990, “Os Bons Companheiros” (Scorcese) bateu “Sonhos” (Kurosawa)
    _Em 1991, “Barton Fink” (Coen) bateu “O Poderoso Chefão 3” (Coppola), que bateu “Edward Mãos-de-Tesoura” (Burton), que bateu “Rapsódia em Agosto” (Kurosawa)
    _Em 1992, o campeão foi “Os Imperdoáveis” (Eastwood), e “Maridos e Esposas” (Allen) ficou em quarto
    _Em 1993, dobradinha de Eastwood com “Um Mundo Perfeito”, que bateu Oliveira, Rohmer, Resnais, Landis, Ferrara, Godard...
    _Em 1994, “Caro Diário” (Moretti) bateu “O Pagamento Final” (De Palma) e “Madame Butterfly” (Cronenberg)
    _Em 1995, “As Pontes de Madison” (Eastwood) bateu “A Flor do Meu Segredo” (Almodóvar) e “Ed Wood” (Burton)
    _Em 1996, “Crash – Estranhos Prazeres” (Cronenberg) foi o campeão, batendo “Cassino” (Scorcese), “Dead Man” (Jarmusch) e “Missão: Impossível” (De Palma)
    _Em 1997 deu “Hana-Bi” (Kitano) na cabeça, com “A Estrada Perdida” (Lynch) em terceiro e “Pânico” (Craven) e “A Outra Face” (Woo) empatados em nono
    _Em 1998, “Velvet Goldmine” (Todd Haynes) ganhou de “Olhos de Serpente” (De Palma), e “Jackie Brown” (Tarantino) empatou em décimo com “Titanic” (Cameron)
    _Em 1999 deu “De Olhos Bem Fechados” (Kubrick), batendo “eXistenZ” (Cronenberg), “A História Real” (Lynch) e “Ghost Dog” (Jarmusch)
    _Na eleição dos melhores dos 90, mudou tudo: deu “O Pagamento Final” (a lista é dominada pelos americanos, e Clint Eastwood aparece com dois filmes)
    _Em 2000, “Missão: Marte” (De Palma) bateu “As Virgens Suicidas” (Sofia Coppola) e “Cowboys do Espaço” (Eastwood)
    _Jerry Lewis aparece em vários anos com filmes semi-desconhecidos, mostrando sua maior popularidade entre os críticos europeus do que entre os de seu próprio país (Woody Allen sofre do mesmo mal)...
    _Clint Eastwood é foda. Vocês não vão perder "Dívida de Sangue", vão?

    quinta-feira, novembro 07, 2002

    Rio Vermelho

    A novidade chata da semana (bem, apenas uma delas, na verdade) é o fim do programa “Garagem”, que eu escutava fielmente desde agosto de 1999 na Brasil 2000. Inclusive, tive o prazer de apresentar uma edição do programa ao lado do Paulão (Paulo César Martin, que foi meu editor no Folhateen), em janeiro de 2001, na ressaca do Rock in Rio _eu não dormia há mais de 24 horas por causa da cobertura do festival, estava sendo transferido de volta para a Ilustrada, prestes a começar a coluna “Rádio”, e o Paulão estava abalado pelo fim do “Notícias Populares”. Mesmo assim, foi divertidíssimo: entrevistamos os Vibrators (você nunca ouviu "Automatic Lover"?), remanescentes da cena punk-77 inglesa, tomamos cervejas e tiramos fotos (que eu até colocaria aqui... mas não), além de termos tocados músicas de alguns dos meus discos, entre eles um do 101ers (Joe Strummer antes do Clash) e a obra-prima do Who, o “The Who Sell Out”...

    Coincidentemente, encontrei o Paulão na terça passada (também conhecida como "anteontem"), um dia após a transmissão do último “Garagem”, e ele me disse que já fizeram uma reunião na 89, e que talvez o programa volte em breve... Bom, enquanto o programa (repetitivo? Vá lá, mas divertido assim mesmo) não voltar, eu não escuto mais rádio.

    Bueno, agora vamos falar de... faroeste. Gênero importantíssimo não apenas para o cinema, mas para as histórias em quadrinhos, para a literatura, para a televisão, enfim, para uma boa fatia da arte e da indústria do entretenimento no século XX.

    Ora, quem aí, nascido no século XX, nunca viu uma revistinha do “Tex” (ou “Ken Parker”, “Tenente Blueberry” etc.)? Quem aí nunca viu pelo menos um trecho de um episódio de “Bonanza”, “Maverick” ou “Laramie”, entre muitos outros? Quem nunca brincou de forte apache (e não ouviu falar dos comanches, dos sioux, dos navajos, dos cheyennes, dos moicanos, dos cherokees etc.)? E olha que nem citei o Bob Nelson... opa.

    Quando o cinema surgiu, no final do século XIX, a “conquista” (nem vamos entrar aqui na discussão histórica de como os EUA compraram territórios, como o do Alasca, e roubaram outros do México) do Oeste norte-americano era um fato recente. Histórias envolvendo personagens como Buffalo Bill, Wild Bill Hicock e Billy The Kid (mas como tinha Bill naquela época, hein?), por exemplo, estavam na boca do povo, e não era de surpreender que o cinema viesse a contar histórias de cowboy. Daí surgiram estrelas como Tom Mix, entre outros (um filme interessante sobre este nicho do cinema é a comédia “Three Amigos”, com Steve Martin, Chevy Chase e Martin Short, que acabou inspirando Los Três Amigos de Angeli, Glauco e Laerte)...

    Depois vieram os longas mais clássicos (são demais para serem citados), como “No Tempo das Diligências”, de John Ford... Mais para a frente, surgiria também o tal do “western spaghetti”, do qual o exemplo mais popular talvez seja “The Good, The Bad and the Ugly”, do Sergio Leone (diretor do primoroso "Era uma Vez na América", com Robert De Niro e James Woods), estrelado por Clint Eastwood e com trilha sonora clááássica de Ennio Morricone.

    E o velho bang-bang (este rótulo é sensacional), quem diria, chegou até aos anos 90, com “Os Imperdoáveis” (o velho Clint, de novo) e “Rápida e Mortal” (estrelado por Sharon Stone, Gene Hackman, Leonardo DiCaprio e Russell Crowe, dirigido Sam Raimi, de “Evil Dead” e “Homem-Aranha”)...

    Mas o que me motivou a escrever toda essa baboseira foi “Rio Vermelho”, um filme de 1948, dirigido por um dos maiores nomes do estilo nos EUA, Howard Hawks (que também faria “El Dorado”, entre outros), e estrelado pelo maior caubói do cinema, John “Nazi” (ei, quem disse isso foi o MDC) Wayne, e por um dos meus atores preferidos dos anos 40, Montgomery Clift (amigão da Elisabeth Taylor e gay enrustido, tipo Rock Hudson). Vi este filme no Telecine Classic, às 7h50 de uma terça-feira de outubro, quando tinha acabado de voltar de Votupa, num ônibus pinga-pinga...

    O que me chama a atenção neste filme é o fato de haver pouquíssima violência, e a tensão que o permeia é... bom, não vou falar para não estragar a surpresa. “Rio Vermelho” é, sim, um faroeste tradicionalzão em vários aspectos, mas brinca com o gênero ao nos pregar certas peças, além de apresentar situações bastante bem-humoradas, como a do velhinho que perde as dentaduras num jogo de poker com um índio, e precisa pedi-las emprestado toda vez que for comer...

    A história é a seguinte: John Wayne é um caubói que perde a mulher quando a caravana onde ela estava (ele tinha seguido em frente para checar o terreno) foi atacada por índios malvados (sim, os índios eram sempre os malvados, desde que o Kevin Costner não estivesse no filme). Amargurado, o velho rancheiro segue em frente e adentra o Texas, onde vai grilar um bocado de terra de um chefão chicano. Filho da puta como ele só, a personagem de Wayne enriquecerá matando gente e roubando gado dos seus vizinhos, sempre bancando o durão. Não sem antes fazer pelo menos uma boa ação: ele adota um garoto que também perdeu a família e que, crescido, torna-se, oh, quem diria, o Montgomery Clift.

    Depois de rico, dono de um dos maiores ranchos do Texas, com quase 10.000 cabeças de gado, o seu Wayne fica cansado de toda aquela pasmaceira da vida no sertão e resolve partir em uma missão maluca e suicida: planeja viajar milhares de quilômetros para vender todo o seu imenso rebanho em outro Estado, tendo de enfrentar as intempéries do tempo, os estouros da boiada, a falta de suprimentos (e de mulher, que puxa), as gangues de ladrões etc.

    Mas como o caubói machão é um tremendo de um tirano cabeça-dura, vai acabar criando encrenca com seus empregados e terá de enfrentar um motim... liderado pelo próprio Monty Clift, a quem ele ama como se fosse seu filho. Mas, como o cara é “muito macho”, isso não o impedirá de meter uma bala em seu bucho e deixá-lo servir de alimento aos abutres... se ele tiver esta chance.

    É a partir daí que se instala a tensão, baseada em um velho arquétipo: duas pessoas que se amam tornam-se inimigos mortais (já vimos isso em “Ben-Hur” e em centenas de outros filmes). Só que... ah, não vou contar mais, não. Vai atrás do filme, vai.

    Nota: 9/10

    segunda-feira, novembro 04, 2002

    Fora de Controle

    Este é mais um daqueles filmes que você vai ver porque não há nada melhor para ser visto. Produção hollywoodianazinha típica, que pega dois atores “hypados” e os coloca em conflito (dá para fazer uma lista enorme com filmes americanos desse tipo).

    E que ator é melhor de briga do que o velho “Bad Motherfucker” Sammy? Também dá para fazer outra lista enorme ligando o sr. L. Jackson a outros protagonistas da moda, brigando para salvar o mundo ou alguns reféns ou a própria pele etc.

    Desta vez a perrenga é com o tal do Ben Affleck, um nome ainda relativamente novo em Hollywood, que galgou seu lugar ao sol após escrever, em conjunto com o merengue de jiló Matt Damon, o roteiro (futuramente oscarizado) de “Gênio Indomável”, um filmeco razoável. Depois, o cara encarou uma série de “blockbusters”, como “Armageddon”, “Pearl Harbor” e “A Soma de Todos os Medos”.

    Zzzzzzz... Ãhn... Oi!

    Mas este “Fora de Controle” (“Changing Lanes”), assistido no cinemark do shopping Tatuapé com a boa de prato Vanessa, se concentra mais nos dilemas morais do que na ação propriamente dita. A história até que é simples: Sammy é um pai de família alcoólatra e de perfil violento, que luta para ficar perto dos filhos (já que sua ex-mulher planeja mudar-se de Nova York para Portland, ou seja, do outro lado do continente). Mas, ao se dirigir para o tribunal, onde mostrará que irá comprar uma casa para os meninos, é atingido pelo carro de Mal Affleck, um advogado que trabalha para seu futuro sogro (o diretor/ator Sydney Pollack, mais uma vez no papel de rico canalha).

    Por causa da batida, Sammy Leroy, que é abandonado na via expressa por Affleck, chega atrasado à corte e perde a chance de manter sua família unida. E, como shit happens, ele se apodera de um importante documento que Affleck deixou cair na confusão após a batida. E, furibundo, para não dizer putaço, Sammy irá se vingar... o que mexe também com os brios de Affleck, que revidará... e aí a briguinha segue pelo filme todo.

    Até que a idéia não é tão ruim, mas o filme (a estréia nos EUA do diretor inglês Roger Michell, o mesmo do bom “Um Lugar Chamado Notting Hill”) deixou a desejar e frustrou minhas (não muito grandes) expectativas. É como diz Affleck para um padre, a certo ponto: “O mundo é sujo, como uma privada”. Este filme não chega a tanto, até porque você se esquece dele rapidinho...

    Nota: 6/10

    Na platéia